quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Educação Estadual em Goiás no caos neoliberal de Marconi e Thiago Peixoto















PACTO PELA EDUCAÇÃO OU PACTO COM O COISA RUIM?
Análise do professor José Carlos Libânio sobre o projeto neoliberal do governador Marconi Perillo  (PSDB) para destruir com a educação pública em Goiás:


CONSIDERAÇÕES CRÍTICAS SOBRE O DOCUMENTO “DIRETRIZES DO PACTO PELA EDUCAÇÃO: REFORMA EDUCACIONAL GOIANA – SETEMBRO DE 2011



José Carlos Libâneo, doutor em educação, professor titular da PUC Goiás.

 

1. Visão geral do documento: Diretrizes do Pacto pela Educação – Reforma Educacional Goiana

            Em primeiro lugar, gostaria de acreditar que o projeto de reforma educacional goiana fosse, de fato, uma iniciativa de educação para todos, na busca de políticas públicas de recuperação da escola pública goiana no sentido de melhores resultados da aprendizagem escolar dos alunos e que ao menos sua formulação final contasse com a participação dos professores e dirigentes escolares e dos setores da sociedade envolvidos com os destinos da escola pública.

            É conhecida a precariedade da escola brasileira. Os resultados das aprendizagens mostrados nas estatísticas oficiais são medíocres. Em Goiás a situação não é diferente. Precisamente para enfrentar esses maus resultados o governo do estado e a secretaria da educação lançaram pela imprensa (5/9/2011) um programa ambicioso de mudanças na educação goiana. O documento denominado Diretrizes do Pacto pela Educação – Reforma Educacional Goiana apresenta cinco pilares estratégicos, metas gerais e 25 iniciativas referentes a cada pilar, mas não traz uma exposição de motivos que justificam as Diretrizes. No entanto, uma análise das metas, estratégias e ações propostas não deixa dúvidas de que se trata de um modelo de intervenção diretamente inspirado na proposta dos organismos internacionais (Banco Mundial, OCDE, UNESCO, etc.) para a escola de países em desenvolvimento[1]. No seu conjunto, as Diretrizes do governo goiano para a educação é uma reprodução clara da visão neoliberal economicista da educação que, basicamente, corresponde a uma política de resultados, com base na melhoria de indicadores quantitativos de eficiência do sistema escolar. Tal como já ocorreu em projetos semelhantes de reforma educativa nos estados de Minas Gerais e São Paulo nas últimas décadas (além de países da América Latina, como o Chile), trata-se de juntar a demanda da qualidade da educação com eficiência econômica, dentro de padrões empresariais de funcionamento, visando objetivos pragmáticos e instrumentais. No entanto, é sabido que as reformas efetuadas naqueles estados (e as implantadas em países latino-americanos) não tiveram êxito; ao contrário, a situação da educação piorou significativamente. A reforma agora anunciada em Goiás, cujas linhas gerais, metas e estratégias, não são novidades, pode seguir os mesmos caminhos caso não sejam revistos aspectos importantes do projeto.

            Uma análise crítica das Diretrizes precisa estar atenta a algumas considerações. É verdade que a qualidade da educação é condição para a eficiência econômica, e é essa a motivação que está por detrás dessa reforma educativa goiana. Também é fato que o planejamento estratégico para a educação necessita a previsão de resultados e meios de obtê-los. Mas os educadores comprometidos com os reais interesses dos alunos da escola pública e suas famílias perguntam: Que qualidade? Que eficiência econômica? De quais resultados e processos se trata? Qual é a concepção de desenvolvimento humano e de desenvolvimento social e econômico que estão por detrás das propostas? Respostas a estas perguntas fornecerão os critérios de diagnóstico, análise e busca de soluções para os problemas da educação.

            Vários educadores brasileiros já apontaram o fato de que, desde o governo Collor, passando pelos governos FHC e Lula, as políticas educacionais brasileiras já eram uma política de resultados de inspiração neoliberal. No entanto, este programa do governo de Goiás pode ser considerado um programa requintado da política de resultados, como forma de regulação do sistema escolar. Além do mais, para um governo que declara que gasta muito com educação com pouco resultado, é surpreendente que o documento da reforma tenha sido resultado de contrato com uma empresa multinacional, a Bain & Company, especializada em consultoria de gestão, negócios e resultados financeiros, contrato esse ofensivo e acintoso para a comunidade científica e profissional do campo da educação do Brasil e de Goiás.

            A despeito de eu não concordar com a concepção de desenvolvimento humano (apenas implícita no mencionado documento) e as estratégias de intervenção nos problemas da escola considero, no entanto, legítimo o direito da secretaria da educação de formular as Diretrizes, ainda mais por se propor a discuti-la publicamente com as escolas, comunidade e sociedade. Inclusive, há aspectos da proposta que, se efetivamente postos em prática, podem contribuir para a melhoria da escola pública. Tratando-se, pois, de uma proposta oficial, vinda do órgão que tem a responsabilidade social e financeira de manter as escolas, é preciso conhecê-la, criticá-la, mas, também, indicar os pontos em que a sociedade quer vê-la modificada.

2. Aproximações das Diretrizes com os princípios e estratégias indicados pelos organismos internacionais (principalmente o Banco Mundial)

            Os pesquisadores do campo da educação e os educadores, tanto em âmbito nacional como internacional, têm identificado detidamente as políticas para a educação dos países pobres e em desenvolvimento, em associação com as orientações neoliberais para a economia globalizada. Resumidamente, essas políticas têm as seguintes características:

-        Reducionismo economicista, ou seja, as políticas e estratégias para o setor público devem ser baseadas na análise econômica;

-        Redução da pobreza no mundo por meio de investimentos na educação básica, saúde básica, planejamento familiar, nutrição, de modo a aliviar tensões sociais e ampliar o número de consumidores;

-        Prioridade aos aspectos financeiros e administrativos da reforma educativa, ressaltando aspectos que devem ser centralizados (padrões de desempenho, insumos que influenciam o rendimento escolar, estratégias de aquisição e uso desses insumos e monitoração do desempenho escolar), outros descentralizados (autonomia e responsabilização das escolas e professores pelos resultados);

-        Formulação para a escola de objetivos de aprendizagem mensuráveis (conhecimento operacional), com padrões de rendimento e avaliação em escala, visando o acompanhamento de taxas de retorno e redefinição de critérios de investimento (política de insumos e resultados);

-        Aplicação e controle de insumos (livros didáticos, equipamentos, bônus e prêmios, treinamento em gestão, tempo de permanência na escola, etc.);

-        Flexibilização no planejamento e centralização da avaliação, devendo esta controlar o próprio planejamento e os professores;

-        Medidas controladoras que jogam as responsabilidades em cima dos professores e da sociedade: conteúdos básicos e padrões de aprendizagem, elaboração de livros didáticos padronizados, convocação dos pais à escola para serviço voluntário;

-        Programas de atribuição de bônus e prêmios às escolas que tiverem bom desempenho e aos professores que cumprirem as metas fixadas pelo sistema de ensino em relação ao desempenho dos alunos, com base nas notas dos alunos em exames padronizados;

-        Medidas organizacionais para correção do fluxo escolar: ciclos de escolarização, programas de aceleração da aprendizagem, como mecanismos de redução da repetência.

            Aplicadas estas orientações para as escolas, temos as estratégias a serem postas em prática:

-        Fixação centralizada de objetivos, metas e competências do sistema de ensino, dentro de uma política de resultados;

-        Introdução de métodos de avaliação para o sistema escolar por meio de testes estandardizados (medição da aprendizagem a partir de parâmetros);

-        Ensino de tipo tecnicista, instrumental, em que se mede a qualidade da aprendizagem com base na porcentagem atingida pelo aluno em conhecimentos determinados pelo sistema de ensino

-        Obtenção de resultados  por meio de provimentos de insumos (textos didáticos apostilados, avaliação externa por testes, formas de capacitação de professores com custo baixo, gerenciamento, parcerias com empresas privadas, prêmios e bônus aas escolas re professores bem sucedidos), sem atender a aspectos qualitativos.

-        Descentralização do sistema visando autonomia das escolas e responsabilização dos professores pelos resultados, medida pela avaliação externa de desempenho (incentivo ao desempenho individual);

-        Comparação de resultados entre escolas, professores e alunos, promovendo competição entre eles;

-        Implantação de modelos empresariais de gerenciamento (metas quantificadas, valorização da meritocracia, incentivo ao desempenho individual, tutoria e coaching, monitoramento

            Trata-se, assim, de uma política educacional controlada por resultados, ou seja, fixação de metas na forma de indicadores quantitativos, exigência de eficácia dos atores do sistema, estímulo ao trabalho individual por meio de bônus e prêmios. A eficácia dos servidores, professores, diretores, alunos, depende de determinadas competências. Sendo assim, as competências são requisitos para os resultados. A avaliação torna-se o meio para medir as competências que levarão aos resultados. Estes, por sua vez, servem como critério para que diretores, professores, pais, façam uma reflexão, reelaborem os projetos pedagógicos em termos de recuperação e melhoramento da escola.

            As conseqüências disto são previsíveis:

-        Instrumentalização crescente da educação tendo em vista formar o capital humano em que a empregabilidade substitui o direito ao trabalho; currículo instrumental com conhecimentos práticos;

-        Entrada total da educação no universo econômico enquanto mercado (de educação, de produtos e serviços pedagógicos, “kits” de formação, de professores e alunos etc. sem consideração pelos direitos cívicos, políticos, sociais, culturais);

-        Exacerbação do individualismo num contexto de competitividade mundial conduzindo a escola e os professores à cultura do individualismo (cada um por si, conseguir desempenho melhor que os outros) ao invés de uma cultura da cooperação e do bem coletivo;

-        Legitimação da exclusão social para os não-qualificados pelos critérios padronizados de desempenho (o sistema provê os meios, conseguir ou não é um problema individual);

-        Tirania da obrigatoriedade de resultados: pressão em cima dos professores e dirigentes escolares, concorrência e competição entre escolas e professores, recompensa aos bem-sucedidos, punição aos mal-sucedidos; responsabilização pelas conseqüências;

-        Institucionalização do “professor-executor” (tarefeiro), capacitado em técnicas, facilitador de aprendizagens, orientador do uso de textos e aplicador de provas, mas desprovido do conhecimento científico.

            Não se trata de outra coisa senão da subordinação a um modelo de capitalismo que se torna uma forma de racionalidade tecnológica que impõe estandardização, o controle e a dominação.

3. Considerações pontuais sobre o conteúdo do documento

            O documento Diretrizes do Pacto pela Educação – Reforma Educacional Goiana apresenta a) cinco pilares estratégicos; b) Dez metas gerais; c) 25 iniciativas correspondentes a cada um dos pilares.

            A posição explicitada sobre o documento da Secretaria Estadual da Educação mostra a prevalência do critério econômico para se definir níveis de qualidade do sistema de ensino: currículo baseado no conhecimento prático e habilidades, empregabilidade, eficiência, baixo custo, competitividade, indicadores quantitativos de rendimento, vínculo ao mercado, escola como empresa, aluno como cliente. Tais características aparecem ora explícitas ora implícitas nos cinco pilares estratégicos, nas metas e ações pontuais da reforma educacional. Passo a considerar cada um dos pilares, indicando aspectos positivos e negativos, em face das considerações apontadas anteriormente.

a) A valorização e fortalecimento do profissional da educação

            Alguns pontos, nesse tópico, considero positivos: garantia de remuneração condigna e capacitação, estágio probatório, escola de formação, suportes tecnológicos ao trabalho do professor (portal pedagógico, banco de aulas, por ex.), acompanhamento pedagógico na situação de trabalho por coordenadores pedagógicos, suportes em material de apoio pedagógico-didático, no caso do portal pedagógico e banco de sugestões para aulas e outros suportes tecnológicos; suporte às escolas vulneráveis.

            Há que se considerar, no entanto, que a elevação do salário de ingresso do professor, proposta no documento, para níveis mais elevados do que o piso salarial legal, precisaria ser uma medida aplicada em curtíssimo prazo. Com efeito, hoje a carreira de professor não tem nenhum atrativo. Os cursos de licenciatura de universidades e faculdades públicas e particulares estão fechando por falta de candidatos. Professores abandonam a profissão. A profissão torna-se a cada dia mais estressante e desestimulante. Considere-se, também, uma medida de curto prazo, absolutamente essencial, de capacitação dos professores da educação infantil e séries iniciais do ensino fundamental nos conteúdos que ensinam, pois encontram-se completamente despreparados para essa tarefa (ou seja, não dominam os conteúdos que ensinam).

            Entendo que são aspectos negativos todos os mecanismos previstos na Reforma em relação ao reconhecimento e remuneração dos professores por mérito, incluindo critérios de evolução salarial, bônus, prêmios, etc. As medidas de capacitação decorrentes da “avaliação rígida de performance e empenho”, da “formação prática”, levam o professor a se transformar num profissional tarefeiro, para o qual é previsto um “kit” de habilidades docentes necessárias para a execução da função. Além disso: a) o controle do trabalho do professor por avaliação externa será visto como punição, falta de reconhecimento e baixa auto-estima, ao contrário do que se espera com a Reforma; b) os bônus e prêmios são formas de sedução artificial dos professores, cedo tomarão consciência de que não estão sendo valorizados no seu trabalho; c) Os suportes ao professor no material de apoio pedagógico, se for retirado do professor seu papel de elaborador do plano de ensino e de criação e uso do livro e outros materiais didáticos, acabam reforçando o papel de professor-tarefeiro que, pouco a pouco, transformar-se-á num mero executor, escravo do material didático apostilado.



b) Adotar práticas de ensino de alto impacto no aprendizado

            Considero como pontos positivos em relação a esse pilar: construção do currículo mínimo pela rede de ensino, materiais de apoio pedagógico, acompanhamento pedagógico em situação de trabalho a coordenadores pedagógicos e professores. No entanto, há um conjunto de aspectos negativos que comprometem a eficácia dos positivos mencionados: a) tendência a manter ações que apenas assegurem o acesso à escola. Como se sabe, não basta o acesso, nem mesmo a permanência, são necessárias condições pedagógico-didáticas no dia-a-dia das aulas. b) as condições pedagógico-didáticas aparecem no documento meramente como “insumos”: materiais de apoio padronizados (supostamente material apostilado), tutoria aos professores, ou seja, não se tem garantia de atuação nos conteúdos, na metodologia, nas formas de acompanhamento do aluno em sala de aula, nos procedimentos de avaliação em sala de aula; c) a menção ao acompanhamento “prático” deixa entrever que se trata de prover ao professor “kits” de habilidades práticas, acentuando seu papel de professor-tarefeiro, não seu papel de intelectual no trabalho com os conteúdos e de criador de suas práticas de ensino. d) absoluta inoperância e ineficácia de escolas de referência e escolas de tempo integral. Essas iniciativas se prestam apenas a visibilidade política do governo, assistencialismo[2]. Iniciativas dessa natureza no estado de São Paulo (foram várias!) resultaram em fracasso e ineficiência para os fins a que foram propostos (seja para capacitação de professores seja para assistencialismo a alunos pobres); e) subordinar a concepção da EJA meramente às necessidades dos alunos e à orientação profissionalizante , o que sacrifica o papel da escola de formação integral para essa população escolar.

            Verifica-se, assim, que dos cinco pilares previstos nas Diretrizes, este é o que tem mais fragilidades como, aliás, ocorre nos documentos do Banco Mundial. Revela-se aqui a estreiteza dos economistas e técnicos que lidam com questões de educação, especialmente as relacionadas ao impacto dos fatores pedagógico-didáticos no funcionamento da escola e da sala de aula[3]. Ao colocar peso na análise econômica e na visão da escola com uma empresa, é inevitável que, para eles, o provimento de um conjunto de insumos para o funcionamento da escolas (ações externas como metas de desempenho prefixadas, testes padronizados, gestão eficiente, livro didático, premiação para os professores, poupança para os alunos bem sucedidos, etc. ), isso por si só garantirá melhoria de resultados dos alunos. Com essa estreita visão de educação e ensino, fica de lado a preocupação com o desenvolvimento mental e moral dos alunos, problemas de aprendizagem,  métodos e procedimentos de ensino, práticas docentes e atividades em sala de aula, articulação entre conteúdos e métodos, formas de avaliação na sala de aula.

c) Reduzir significativamente a desigualdade educacional

            Há aspectos positivos como o suporte às escolas vulneráveis, programas de correção da distorção idade/série escolar (alfabetização de adultos e programas de aceleração; monitoramento de alunos com faltas diárias). No entanto, estão presentes aspectos negativos (analisados em outros pontos), como a remuneração diferenciada dos professores por mérito, o nivelamento de conteúdo (porque baseado numa pedagogia comportamental-tecnicista), e a manutenção da política de ensino especial (inserção em classes comuns de alunos com deficiências física, neurológicas, cognitivas), já que penso que o atendimento público e gratuito na maioria desses casos deve ser feito em instituições especializadas.

d) Estruturar reconhecimento e remuneração por mérito

            Não vejo neste ponto nenhum ponto positivo: programa de reconhecimento de professor que tem impacto direto na aprendizagem do aluno: bônus de incentivo à regência, programa de incentivo às escolas (Prêmio financeiro), programa de incentivo aos melhores alunos de cada escola (premio de poupança), Oscar da educação.

            Acredito que os professores e dirigentes das escolas têm responsabilidades sobre os resultados da aprendizagem dos alunos. No entanto, numa concepção estritamente instrumental de educação, com objetivos padronizados, retira do professor a possibilidade de por em pratica os saberes que dão especificidade à sua profissão. Ele passa a trabalhar apenas para o que pedem as avaliações estandardizadas. Alem do mais, os professores são responsáveis pelos seus atos e decisões, mas não forçosamente pelos resultados, porque eles dependem de um conjunto de fatores sobre os quais não têm controle. Exigir que os professores se subjuguem à obrigação por resultados é quase exigir o impossível. Eles são profissionais do humano, das relações entre pessoas, do conhecimento, não técnicos ou operários que lidam com coisas. Quem trabalha com seres humanos, sabe que há nessa atividade sempre alguma coisa que lhes escapa, que não podem ser controladas, ao menos que se trate de uma escola totalitária ou completamente mecanizada. Desse modo, os prêmios e bônus são mecanismos de sedução do professor, o qual acaba exercendo a profissão não porque gosta dela, mas para receber recompensas reforçadoras. Além disso, a atribuição de bônus e prêmios estimula a competição entre escolas e professores, sendo que o desempenho profissional do professor seja avaliado unicamente pela nota do aluno numa prova.

e) Realizar profunda reforma na gestão e infra-estrutura

            Obviamente encontram-se aqui pontos positivos como o fortalecimento da infra-estrutura (reformas no espaço físico e manutenção das escolas), estrutura de gestão e relações com a comunidade, integração educacional com os municípios (diagnóstico do aproveitamento escolar dos alunos por meio de prova padronizada, apoio em projetos de formação, currículos e práticas pedagógicas), sistema de monitoramento do desempenho da rede, racionalização de gastos.

4. Apreciação de conjunto das Diretrizes

            Não se pode negar ao governo e à secretaria da educação a formulação de objetivos, metas e estratégias que combinem com suas posições ideológicas, políticas e econômicas. Mas a sociedade, especialmente, os professores e dirigentes que atuam na ponta do sistema, precisam estar preparados para dizer em que não concordam, mas, principalmente, que outros objetivos e estratégias desejam para a solução dos problemas do sistema escolar goiano. Seguem algumas considerações sobre a concepção implícita nas Diretrizes:

            a) Em relação aos objetivos da escola: antes de ser “escola prestadora de serviço”, ou uma fábrica de produtos, a escola básica é uma instituição cujo objetivo é prover aos alunos as condições para desenvolverem suas capacidades intelectuais através dos conteúdos e formarem atitudes e valores. Ela trabalha a longo prazo e não pode restringir-se a uma produtividade em curto prazo. A obrigação de resultados tem sido a orientação neoliberal dos organismos internacionais do capitalismo globalizado visando a regulação da ação pública, especialmente na saúde, na educação e na segurança pública, visando produtividade, eficiência, controle de custos e de qualidade. A forte pressão de resultados produz resistência nos professores e enfraquecimento no ensino. Não que os resultados não sejam necessários, mas é muito pouco restringi-los a uma formação instrumental e pragmática.  Nada garante, pois, que uma política de resultados baseada em indicadores quantitativos leve a uma sólida preparação escolar aos alunos. Antes, pode levar à exclusão escolar e social, pois a avaliação padronizada é aplicada a escolas de ensino fundamental com condições físicas, pedagógicas, metodológicas, muito diferentes. Afinal, a sociedade necessita de uma escola para o mercado ou de uma escola para a formação intelectual, científica, moral dos alunos? É moralmente legítimo submeter todas as escolas aos mesmos padrões de desempenho, sem levar em conta as características dos alunos e de seu meio, além das diferenças gritantes entre as escolas em relação às suas instalações físicas, preparo do corpo docente, condições socioeconômicas das famílias? Qual a utilidade dos indicadores quantitativos e do IDEB senão impor uma uniformidade de desempenho, sem que o estado possa dar a todas as escolas as condições para chegar aos padrões estabelecidos? Não há uma perversidade em pautar o desempenho das escolas, dos professores e dos alunos a um padrão daquela escola bem-sucedida ou do professor bem-sucedido? De que adianta exigir responsabilidade profissional dos professores nos resultados de aprendizagem dos alunos se sua formação é precária e seus salários aviltantes? Quantos anos o governo levará para chegar a um suposto patamar de salário ao professor, que se aproxime de outras profissões de nível superior? Num trabalho interativo como o ensino, em que o trabalho do professor não poder ser feito a não ser que o aluno consinta em aprender segundo os modos levados a efeitos na escola, como decidir a responsabilidade destes co-produtores do trabalho? A submissão à regulação do governo não retirará as possibilidades de criação, autonomia e inovação dentro da própria escola, em que os professores estão face-a-face com seus alunos? Que meios de trabalho a secretaria da educação colocará nas mãos dos professores para que os alunos possam ter mais êxito escolar?

            b) A adoção da política de resultados acaba sendo muito mais um problema de economia da educação do que de pedagogia e de formação dos alunos. Professores cujas condições de trabalho têm sido estressantes, esperam da instituição pública apoio, reconhecimento, encorajamento, condições salariais e de trabalho que promovem motivação, auto-estima, realização pessoal, mais do que controles pela avaliação externa e muito menos por bônus e prêmios. A ação instrumental, na lógica do mercado e na a ideologia neoliberal, visando resultados, serve à lógica econômica: professores e alunos acabam sendo considerados objetos econômicos. É esperado que os professores se responsabilizem pelos resultados, mas não pelas conseqüências: mesmo que faça o que for possível para o progresso escolar dos alunos, ele não controla outras variáveis humanas e sociais que estão afetando seu trabalho. Além do mais, há pesquisas indicando que a premiação não tem repercussão expressiva na melhoria do desempenho dos alunos.

            c) Lastimavelmente, sabe-se de antemão que a avaliação externa de resultados escolares incidem diretamente nos alunos pobres. A fim de julgar o êxito ou o fracasso dos sistemas de educação, os governos usam a administração de testes que visam medir o rendimento dos alunos. Trata-se de um tipo de medida homogênea, que indicará onde os alunos estarão classificados em sua aprendizagem. As conseqüências disso são funestas para os principais interessados, os alunos, e também os professores, pois remete a responsabilidade do sucesso ou do fracasso primeiro ao aluno como individuo, em seguida, aos professores que, por suposto, tem a responsabilidade de trabalhar com os conhecimentos e levar o aluno a aprender. Escolas de municípios menores ou mais afastados carregam consigo um acúmulo de problemas, envolvendo prédio escolar, professores, condições de ensino, pobreza das famílias, capital cultural e lingüístico requerido para a aprendizagem escolar, terão um impacto das avaliações mais negativas. Ao tornar os alunos responsáveis pelos seu próprio êxito, arrisca-se a suscitar nestes últimos baixa auto-estima, baixo interesse ao trabalho escolar, ou até abandono da escola. Em resumo, com a aplicação de testes padronizados a uma clientela escolar com profundas diferenças, as crianças pobres acabam irremediavelmente injustiçadas. Nesse sentido, a idéia de afixar na porta das escolas uma placa com a nota do IDEB na escolas é extremamente infeliz, porque segregadora. É um acinte, um pecado ético que se comete contra a pobreza. As escolas e os professores podem, em parte, responsabilizar-se pelos resultados, mas é preciso considerar que eles não têm meios suficientes para resolver os problemas sociais e culturais que antecedem sua intervenção na escolarização das crianças. Não sou inteiramente contra ter índices de qualidade das escolas, mas o IDEB apanha parte do problema da avaliação do ensino, que é a média obtida na Prova Brasil (português e matemática) e a taxa de aprovação. Escapam dele outras variáveis que atuam antes da escola e em volta da escola,  como as práticas socioculturais da comunidade e da família, as relações professor-aluno, as condições de salário e de trabalho do professor. Isso sem falar da “maquiagem” dos resultados. São questões que extrapolam uma simples aferição do conhecimento presente que um aluno tem quando faz uma prova em escala. Ao não poder, tecnicamente, inserir no índice variáveis sociais e culturais que afetam o desempenho escolar de alunos, o IDEB pode estar culpabilizando injustamente o aluno, o professor e a escola. Além disso, a comparação do desempenho das escolas entre si tem um efeito perverso: o aprofundamento das desigualdades do sistema escolar.

            d) Que fique claro: as escolas precisam proporcionar bons resultados expressos na aprendizagem sólida dos alunos por meio do processo de ensino e aprendizagem. Tais resultados são moralmente desejáveis e socialmente favoráveis à redução das desigualdades sociais e dos processos de exclusão escolar e social. Mas, vistos numa ótica economicista, numa concepção estritamente instrumental de educação, podem ter efeitos perversos, debilitantes e alienantes nos professores e alunos. Com efeito, as  metas são quantificadas muito mais em função da diminuição dos custos do ensino do que de uma sólida preparação escolar dos alunos. Força-se a melhoria dos índices educacionais sem ampliação das verbas para o que é realmente prioritário. As escolas devem mostrar produtividade com base em resultados que podem ser falsificados ou maquiados. Alunos são aprovados sem critérios claros em relação a níveis de escolarização. Os números aparecem positivamente nas estatísticas, mas os aprovados não sabem ler e escrever. Estamos, efetivamente, frente a uma pedagogia de resultados: põem-se as metas, e as escolas que se virem para atingi-las. Mas se virar com que meios? Onde estão as instalações físicas? O material didático? O atendimento à saúde das crianças? Os salários e as condições de trabalho dos professores? Onde estão as professoras que dominam os conteúdos, que sabem pensar, raciocinar, argumentar e têm uma visão crítica das coisas?

Conclusão

            O governo estadual e a secretaria da educação não precisavam recorrer a uma empresa global para fazer seu projeto de reforma educativa. Educadores antenados nos problemas da educação no país sabem que há pontos a mexer que estão à vista. É claro que uma gestão necessita metas, previsão de ações e resultados. Mas para fazer uma intervenção no sistema seria esperado dos dirigentes políticos mais maturidade, conhecimento de causa, experiência e vivência no sistema de ensino, conhecimento dos paradigmas pedagógicos, conhecimento da historia e da realidade da rede pública de ensino, conhecimento da vida e da profissão dos professores, etc. Sem isso, mais uma vez teremos um programa de reformas improvisado, megalomaníaco, afobado, pretensioso, como são as ações em que seus autores acham que descobriram a varinha mágica, ou inventaram a roda.

            Educadores e pesquisadores compromissados com a causa da escola pública há décadas apontam para ações pontuais e cruciais, sem necessidade de indicadores quantitativos isolados, premiação e bonificação de professores, testes estandardizados, etc., como:

-        Adoção efetiva de medidas propiciadoras de salário digno, carreira profissional, condições de trabalho, condições de permanência dos professores em uma só escola com 40h;

-        Intervenção da secretaria da educação nas questões intra-escolares, especialmente: instalações físicas adequadas, formas de gestão pedagógica e curricular, aprimoramento das metodologias de ensino e procedimentos da aprendizagem, atividades de sala de aula, que assegurem qualidade e substantiva melhoria dos processos e resultados do ensino e aprendizagem mais elevados índices de aproveitamento escolar para todos os alunos;

-        Ações imediatas de capacitação que assegurem a todos os professores, especialmente da educação infantil e séries iniciais, o domínio de conteúdos e habilidades cognitivas que irão ensinar às crianças, bem como de elementos de uma cultura geral abrangente; igualmente, assegurar aos professores das séries iniciais o domínio de metodologias de ensino de cada uma das disciplinas do currículo.

-        Revisão da legislação atual sobre a formação de educadores e articulação com as universidades, retomando-se a preparação específica de pedagogos especialistas (ao menos um coordenador (a) pedagógica em cada escola) e readequação das diretrizes para a licenciatura para docência na Educação Infantil e Ensino Fundamental.

-        Adequação dos conteúdos de ensino no seu papel de formação do desenvolvimento mental dos alunos, compatibilizados com as práticas socioculturais trazidas pelos alunos, e assegurar que os professores estejam preparados para trabalhar com eles.

            Por fim, cabe recomendar aos sindicatos e associações científicas de professores, aos formadores e professores de nossas universidades, aos professores e dirigentes da rede estadual de ensino que analisem conscientemente as Diretrizes do Pacto pela Educação, a fim de proporem alterações significativas que atendam aos reais interesses dos alunos da escola pública e de suas famílias.





[1] Sobre a influência dos organismos internacionais nas políticas educacionais do Brasil ver: LIBÂNEO, José C. A escola brasileira em face de um dualismo perverso: escola do conhecimento para os ricos, escola do acolhimento social para os pobres. http://professor.ucg.br/SiteDocente/home/disciplina.asp?key=5146&id=3552
[2] A respeito da Escola de Tempo Integral, ver posição do autor: LIBÂNEO, José C. Valerá a pena investir dinheiro público na escola de tempo integral?
http://professor.ucg.br/SiteDocente/home/disciplina.asp?key=5146&id=3552
[3] Para outras idéias sobre o pouco caso das propostas neoliberais para o ensino, ver: LIBÂNEO, José C. Didática na formação de professores: entre a exigência democrática de formação cultural e científica e as demandas das práticas socioculturais.
http://professor.ucg.br/SiteDocente/home/disciplina.asp?key=5146&id=3552





terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Mutirama: a lama ainda continua (PARTE 6)

Conflito de classes sociais no novo Parque MUTIRAMA:

O novo projeto do parque Mutirama, além de problemas graves de superfaturamento, fraudes licitatórias, morte de trabalhadores ,agressão ambiental e desapropriação ilegal de moradores do centro da cidade, tem também um problema tão grave quanto os demais. Quem já teve a oportunidade de observar o projeto arquitetônico do novo parque, verá que o mesmo divide os frequentadores em níveis de classe sociais diferentes, ou seja, o novo parque terá uma área para frequentadores de classes altas (A e B) e outra para os de classes mais baixas (C e D). Como se não bastasse Goiânia estar no ranking das cidades com maiores índices de desigualdades sociais, terá também um parque, onde as crianças desde cedo aprenderão o que é exclusão social, vivendo separadas por classes sociais, dentro do maior parque infantil da cidade.  A antiga parte da Av. Araguaia que cortava o parque, será a divisora da área entre crianças goianienses pobres e ricas. Mais uma "aula de democracia" dos nossos gestores neoliberais.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Invasão da PM em Pinheirinho - São José dos Campos-SP

O massacre neoliberal do Governo Alckmim (PSDB) em Pinheirinho nos faz lembrar do massacre do Parque Oeste Industrial em Goiânia, ocorrido em 2004, que além de centenas de feridos, teve ainda duas mortes de trabalhadores inocentes. Veja video do massacre para reintegração de posse no bairro de Pinheirinho em São José dos Campos - SP:
 
Veja também  no vídeo abaixo, o embrólio na explicação do juiz estadual Rodrigo Capez, tentando justificar de forma leviana e irresponsável a invasão da PM e o massacre em Pinheirinho:


sábado, 21 de janeiro de 2012

Estupro no BBB12: a naturalização da violência contra a mulher

Manifesto exige imediata responsabilização da Globo no caso BBB12

 


“Dois fatos muito graves ocorreram esta semana envolvendo o Big Brother Brasil. O primeiro foi com a participante Monique, que pode ter sido vítima de crime praticado por outro integrante do programa. O segundo foi a absurda atitude da TV Globo frente ao ocorrido. Em relação ao primeiro, cabe à polícia apurar e à justiça julgar, buscando ouvir os envolvidos, garantindo que eles estejam livres de pressões e constrangimentos. Já em relação ao segundo, é preciso denunciar a emissora e os anunciantes que sustentam o programa, e cobrar as autoridades do setor.
Frente a indícios de um possível abuso sexual contra uma mulher participante de um de seus principais programas, a Globo, além de não impedir a violência no momento em que ela poderia estar ocorrendo, tentou escamotear o fato, depois buscou tirar de circulação as imagens e finalmente assumiu o ocorrido sem nomeá-lo. Na edição de domingo do programa, após todas as denúncias que aconteciam pela internet, ela transformou a suspeita de um crime em uma cena “de amor”. O espírito da coisa foi resumido pelo próprio apresentador Pedro Bial: “o espetáculo tem que continuar”. A atitude é inaceitável para uma emissora que é concessionária pública há 46 anos e representa uma agressão contra toda a sociedade brasileira.
Pelas imagens publicadas, não é possível dizer a extensão da ação e saber se houve estupro. A apuração é fundamental, mas o mais importante é o que o episódio evidencia. Em primeiro lugar, a naturalização da violência contra as mulheres, que revela mais uma vez a profundidade da cultura machista no país. No debate público, foram inúmeras as tentativas de atribuir à possível vítima a responsabilidade pela agressão, num discurso ainda inacreditavelmente frequente. O próprio diretor do programa, Boninho, negou publicamente que as imagens apontassem para qualquer problema.
Em segundo lugar, o episódio revela o ponto a que pode chegar uma emissora em nome de seus interesses comerciais. A Globo fatura bilhões de reais anualmente pela exploração de uma concessão pública, e mostra, com esse episódio, a disposição de explorá-la sem qualquer limite nem nenhum cuidado com a dignidade da pessoa humana. O próprio formato do programa se alimenta da exploração dos desejos e das cizânias provocadas entre os participantes e busca explorar situações limite para conquistar mais audiência. Assim, o que aconteceu não é estranho ao formato do programa; ao contrário, é exatamente consequência dele.

Em terceiro lugar, fica evidente a ausência de mecanismos de regulação democrática capazes de apurar e providenciar ações imediatas para lidar com as infrações cometidas pelas emissoras. Como já vem sendo apontado há anos pelas organizações que atuam no setor, não há hoje regras claras que definam a responsabilidade das emissoras em casos como esse, nem tampouco instrumentos de monitoramento e aplicação dessas regras, como um Conselho Nacional de Comunicação ou órgãos reguladores.
Uma das poucas regras existentes para proteger os direitos de crianças e adolescentes – a classificação indicativa – está sendo questionada no STF, inclusive pela Globo. A emissora, que costuma tratar qualquer forma de regulação democrática como censura, é justamente quem agora pratica a censura privada para esconder sua irresponsabilidade. É lamentável que precise haver um fato como esse para que o debate sobre regulação possa ser feito publicamente.
Frente ao ocorrido, exigimos que as Organizações Globo e a direção do BBB sejam responsabilizados, entre outros fatos, por:
• Ocultar um fato que pode constituir crime;
• Prejudicar a integridade da vítima e enviar para o país uma mensagem de permissividade diante de uma suspeita de estupro de uma pessoa vulnerável;
• Atrapalhar as investigações de um suposto crime;
• Ocultar da vítima as informações sobre os fatos que teriam se passado com ela quando estava supostamente desacordada.
É preciso garantir, no mínimo, multas vultuosas e um direito de resposta coletivo para as mulheres, que mais uma vez tiveram sua dignidade atingida nacionalmente pela ação e omissão da maior emissora de TV brasileira.

Os anunciantes do BBB – OMO (Unilever), Niely Gold, Devassa (Schincariol), Guaraná Antártica e Fusion (Ambev) e FIAT – também devem ser entendidos como co-responsáveis, e a sociedade deve cobrar que retirem seus anúncios do programa ou boicotá-los. Suas marcas estão ligadas a um reality show que, para além de toda a crítica sobre os valores que propaga à sociedade – da banalização do sexo e do consumo de álcool à mercantilização dos corpos – , permite a violação de direitos fundamentais.
Finalmente, é fundamental que o Ministério das Comunicações coloque em discussão imediatamente propostas para um novo marco regulatório das comunicações, com mecanismos que contemplem órgãos reguladores democráticos capazes de atuar sobre essas e outras questões.
Este é mais um caso cujas investigações não podem se restringir à esfera privada e à conduta do participante suspeito. Exigimos que o Poder Executivo cumpra seu papel de fiscal das concessionárias de radiodifusão e não trate o episódio com a mesma “naturalidade” dada pela TV Globo. Esperamos também que o Ministério Público Federal se coloque ao lado da defesa dos direitos humanos e da dignidade da pessoa humana e responsabilize a emissora pela forma como agiu diante de uma questão tão séria como a violência sexual contra as mulheres.
Brasil, 18 de janeiro de 2012
FNDC – Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação
Rede Mulher e Mídia
Articulação de Mulheres Brasileiras
Campanha pela Ética na TV
Ciranda
Coletivo Feminino Plural
Observatório da Mulher
Associação Mulheres na Comunicação – Goiânia
COMULHER Comunicação Mulher
HUMANITAS – Diretos Humanos e Cidadania
Marcha Mundial das Mulheres
Rede Feminista de Saúde Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos
SOF – Sempreviva Organização Feminista
SOS Corpo – Instituto Feminista para a Democracia
Manifesto aberto a adesões de entidades e redes. Para aderir, escreva para imprensa@fndc.org.br”

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

PACTO PELA EDUCAÇÂO: a barbárie neoliberal na educação em Goiás

ARTIGO DE PROFESSORA DA REDE ESTADUAL DE ENSINO DO ESTADO DE GOIÁS SOBRE AS REFORMAS NEOLIBERAIS DA EDUCAÇÃO PROPOSTAS PELO GOVERNO DE MARCONI PERILLO (PSDB) E SEU SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO THIAGO PEIXOTO (PMDB):


Entre o CAOS e a ESPERANÇA: Percalços de uma caminhada pela Educação.

M. F. O.
Professora por escolha, por decisão e por teimosia

Há muito tempo venho ensaiando arriscar alguns comentários acerca da situação conflituosa e angustiante que tenho contemplado em nosso sitiado Estado de Goiás. Admito que, como professora efetiva da Rede Estadual e, como professora interessada na formação de cidadãos críticos e pensantes, sinto-me absolutamente indignada, revoltada e enojada (acreditem esse é o termo: nojo), de manipulações baratas e inconseqüentes por parte daqueles que nunca pisaram em uma sala de aula na posição de professor.
É sempre bom rememorar e reconhecer que para existir o médico, o advogado, o fisioterapeuta, o jornalista e tantos outros profissionais que merecidamente recebem e devem continuar a receber seus méritos, foi necessária a existência de um professor. Seria lógico que, então, aquele que precede à formação profissional final escolhida por esses indivíduos em diferentes áreas fosse reconhecido ao menos de forma mais humana do que o tratamento despojado a essa classe. Mas, infelizmente, a (i)lógica estabelecida é reflexo das concepções educacionais que temos e que, historicamente foram enraizadas e arraigadas em muitos de ‘nossa espécie’ e, que vão se perpetuando solidamente por gerações.  
Durante muitos anos, me questionei sobre qual a razão, de um professor tão competente, com tanto argumento e consolidação teórica, retornar à sala de aula e repetir a lógica estabelecida. Busquei autores como o Brandão (2002); Brandão e Freire (2005), Tardif (2002), Machado (2011) e tantos outros, na tentativa de compreender as diferentes culturas, a formação docente, a prática docente, o trato pedagógico, o que é ensinar, o que é aprender, como lidar, de onde veio tudo isso e para onde vai, enfim, esse ‘mundinho’ chamado educação. “Mundinho” esse, que foi aos poucos se transparecendo cada vez mais complexo e perplexo. Envolto por muitos personagens que, faceiramente, compõem um complexo de histórias que se entrecruzam, se convergem e muitas vezes se divergem.
Essas questões promovidas dentro desse “mundinho” vão muito além da sala de aula, além da formação inicial, além da construção familiar, transpassam as questões sociais, políticas, econômicas, culturais, intelectuais e sei lá, talvez até mesmo espirituais (para os que acreditam em outras dimensões) e as emocionais. Toda essa tentativa de compreensão acerca desses conflitos reais do cotidiano, já gerou artigos, publicações, estudos e até mesmo meu trabalho de conclusão final de curso na graduação refletia sobre isso. Tinha tudo para minhas considerações tão bonitas e compreensivas sobre todo esse envolto acima pontuado responder minha questão inicial: por que o professor volta para sala de aula e atua com uma lógica mercadológica ou ainda, por que ele reproduz conhecimentos se aprendeu com os grandes teóricos da educação que, é preciso partilhar saberes, construir significados e formar cidadãos que sejam capazes de pensar e não só reproduzir?
Não foi preciso ir muito longe, nem passar vinte ou trinta anos em uma sala de aula para entender o drama de muitos dos meus colegas. Não retiro a responsabilidade que temos e, o compromisso que assumimos aos nos tornamos educadores, mas, é preciso ter claro que nem todos são professores e, assim como em toda e qualquer profissão, ou mesmo em várias circunstâncias da vida, não podemos pegar um determinado grupo colocar num saco e dizer “vocês são todos iguais” porque definitivamente, isso tanto geneticamente quanto cultural-social e historicamente, já é mais do que comprovado que não é fato. Somos diferentes, com histórias únicas e, portanto, devemos ser tratados assim, onde quer que seja. Que há aqueles que estão na luta por ideal e aqueles que já se cansaram da batalha, bem como, aqueles que nunca deveriam ter entrado nela.
Ressaltando então, a parte de professores interessados em transformar nossa sociedade, com ideais políticos, culturais e todos mais que forem possíveis, lamento dizer aos meus professores da graduação que não tiveram essa sensibilidade (talvez porque já estivessem há tempos demais longe de uma sala de aula de ensino básico ou ainda àqueles que nunca passaram por lá, mas, ainda insistem em formar professores e falar de experiências docentes) que, se talvez tivessem considerado que, os espaços educacionais não são jardins cheios de flores, ao contrário, são espaços cheios de grades para não serem roubados (a velha lógica invertida da sociedade onde a prisão é para os que deviam ser ‘livres’), que não há material suficiente para o cotidiano, que as salas de aula são depredadas pelos próprios alunos da escola que, não se sentem parte dessa construção e estão ali à força porque alguém disse que, se ele não tivesse estudo ele nunca seria alguém e, embora estejam em um espaço que devesse levar em consideração que ele é alguém único, com uma história singular e perspectivas, ainda assim é tratado como ninguém... que esse espaço escolar há muito tempo se tornou nitidamente dividido entre o espaço para os bons e com poder capital que irão ocupar os cargos que hoje possuem maior esmero e reconhecimento no futuro profissional e o espaço que resta para os reles mortais disputarem as poucas vagas existentes em salas superlotadas que protagonizam a formação em massa e o ‘aprenda quem puder aprender e o que puder aprender é isso que temos’ e que, com muita sorte, com boas perspectivas encerrem o ensino médio, enfim, se tudo isso tivesse sido considerado, por pessoas que muitas vezes marcaram significativamente a formação docente inicial de meus colegas, talvez hoje, o despeito e desrespeito à prática docente poderia ser um pouco menor.
Falo isso, com tranqüilidade e com firmeza, pois, há também que engrandecer agradecer e reconhecer àqueles que, desde o início não foram omissos em demonstrar que o “pouco caso” dado à educação não é de hoje, que a desvalorização profissional ocorre há muitos anos, que viveram na pele a experiência de remar contra a maré e que ser professor do ensino básico exigiria hoje – no mínimo – insalubridade. Sei que esses poucos professores universitários que fizeram esse tipo de colocação em sala, não foram bem vistos e nem bem quistos muitas vezes. Fizeram muitos acadêmicos desistirem das licenciaturas e procurarem outra profissão, mas a eles... meu muito obrigada. Obrigada por evitar que mais pessoas inconscientes e sem decisão política (e isso não se refere à partido pois não faço e nem defendo partidos políticos) adentrassem via concurso em um lugar público, apenas para possuir a ‘estabilidade financeira’ e não fazer a menor diferença. A esses professores que embora mostrassem que, a realidade era árdua, também mostraram que era necessário acreditar que podíamos modificar histórias, meus sinceros agradecimentos.
Mas, também preciso agradecer às célebres frases pronunciadas por nossos ‘queridos’ representantes do governo (e ao que me parece, isso é meio comum entre esses representantes tanto no âmbito municipal, estadual e federal), eleitos por um povo sem memória – mas é bom ressaltar que agora temos comunicação virtual e nas próximas eleições, nem que seja para ‘twittar’ iremos lembrar seu nome com prazer...  para rememorar os célebres pronunciamentos  como “quer ser professor, faça por amor”, “professor não vai ficar rico mesmo”, entre tantas outras pérolas... como o voto para manter o Estado estável e não prejudicar o orçamento, mas, tratar anos de estudo como se nada fosse.
É... realmente, se o professor recebesse o que realmente ele merece (isso da educação básica à superior), por mérito, o governo (municipal, estadual e federal) teria duas opções: realmente ir a falência ou ter que deixar de lado suas milhares de regalias, seus milhares de assessores, seus 14º e até 15º salários, seus jatos particulares custeados pelo dinheiro público, suas diárias exorbitantes, suas viagens, seus auxílios ternos e seus salários que (ufssss) o meu não deve ser nem o dízimo do que muitos deles recebem... para que o salário do professor fosse cabível à sua responsabilidade. Não sou nenhuma economista para fazer esse cálculo, mas, com certeza, essa troca seria bem mais justa para nosso país.
Mas, diante desses poucos apontamentos que fiz, penso que a grande questão não é o trato pedagógico que o professor tem ou não tem dado; não é o índice do IDEB da escola e toda a preocupação que se demonstra nas propagandas com os estudantes; não é a redução da carga horária ou a mudança da grade curricular sem comunicar, dialogar ou mesmo levar ao conselho e, consequentemente, a minimização/desconsideração sobre o valor daquele conhecimento; não é o fato de pagar um bônus salarial para os professores assíduos e não publicar o fato de que essa conta é feita com base em um salário de professor que cumpre as 40h no Estado e, que essa bonificação é realizada somente uma vez ao ano (com promessa de ser por semestre), e publicar aos quatro ventos que, um professor doutor na rede poderá chegar a ganhar até 5.200,00, mas, não deixar claro que esse valor será uma ou duas vezes por ano com as bonificações e, caso esse professor cumpra 40h, além de informar que professores de apoio (que tanto lutamos para poder ajudar no processo de inclusão dos alunos especiais) não recebem essa bonificação, assim como outros professores que estejam em funções diversas, porém, necessárias ao funcionamento da escola; não é o fato de não tornar público que, os professores como eu, que trabalham em escolas que paralisaram (nas duas manifestações que houveram) receberam 80% do ‘mérito’ que lhe cabia, pois, a escola parou dois dias para movimentações (ainda que não fosse o dia daquele professor na escola, a escola foi punida); não é o fato de tratar professores como meras máquinas reprodutoras mandando para as escolas o planejamento todo pronto para padronizar o que os alunos vão estudar e, se caso tenham que mudar de uma escola para outra, acompanhem os conteúdos; não é o fato de mudar a grade curricular e mandar que as escolas ofereçam disciplinas optativas por meio de projetos, sem haver uma estruturação e um preparo para isso; não é o fato de vários professores terem que se dirigir à subsecretaria para procurar escola, pois, ficou sem aula ou teve sua carga horária reduzida por redução de turma ou mesmo, por redução de quantidade de aulas na semana de disciplina x ou y; não é o fato de receber pressões vindas sabe Deus de onde que, se o professor faltar por qualquer razão que seja, terá seu nome publicado em um mural exposto para todos; não é o fato de perceber que estão tentando tampar o sol com a peneira e ler declarações do tipo: “"Vim para o governo, criei um plano de carreira dos funcionários administrativos da Educação, valorizei, criamos a progressão vertical, e valorizamos como nunca a carreira dos professores. Antes, era desvalorizada. Este plano agora foi um ajuste para cumprirmos o piso nacional. Se não tivéssemos feito esse ajuste, não daríamos conta de cumprir o piso por conta do efeito cascata. Teríamos um impacto de R$ 800 milhões na folha de salários só da Educação em 2012. Então fizemos novo plano para termos condições de pagar o piso com valor, inclusive, acima do piso nacional, resgatando um importantíssimo compromisso de campanha. Não acredito que os professores tenham prejuízos na carreira. Uma coisa é ter um plano. Outra coisa é um plano inexequível. O plano que aprovamos será exequível, vamos dar aumentos, cumprir data-base, pagar os professores. O plano de Reforma da Educação, contempla 24 ações, todas focadas no desempenho e também no mérito. Desde este ano, nós criamos um plano de resultados com prêmios para os professores. No ano que vem, vamos aumentar o prêmio para os professores assíduos em sala de aula, linkar ao desempenho deles, melhoria dos indicadores do MEC e do próprio governo do Estado. Vamos criar um prêmio para os alunos que tiverem o melhor desempenho na avaliação do Ideb; criar um prêmio para as escolas. Uma série de mecanismos que valorizem as escolas, os professores e os alunos que se sobressaírem".
Isso tudo aí... é fichinha! E, penso eu, conseqüência de todo o processo histórico coronelista implementado com tanta eficiência no Brasil. Mas, as muitas questões que tenho nesse momento são: até quando iremos aceitar de braços cruzados tamanha eficiência em ‘destroçar’ nossa sociedade? Até quando um bônus semestral vale mais do que uma carreira conquistada com tanta luta por pessoas que sofreram tanto e à custa de tantas greves? Até quando prêmios nos comprarão? Que mérito é esse? Até quando o IDEB vai ser o ponto chave para as escolas poderem receber benefícios e não ao contrário, como deveria realmente ser? Até quando seremos motivo de piadinhas e gozações por acreditar que é possível mudar algo, ou por embora não concordarmos com nossos salários perseveramos naquilo que escolhemos? Até quando teremos que enfrentar nas nossas escolas uma sociedade que já é marginalizada pelo Estado e ter que lidar com tudo isso sozinhos? Até quando teremos que lidar com drogas, violência e todo hall proporcionado atualmente pelo cotidiano escolar? Até quando a culpa vai ser sempre do professor e sua (in)competência? Quando os padrões de notas no IDEB, Provinha Brasil, ENEM, ENADE, serão equivalentes aos padrões estruturais e as condições físicas para os professores ministrarem suas aulas? E, talvez, a mais inquietante nesse instante para mim: quando as pessoas irão abrir os olhos e perceber que estamos vivendo uma ditadura disfarçada, engalfinhados por uma estrutura perigosa, limitante e contrária à transformação social e valorização do conhecimento cultural local, e o pior... Conformados com essa estrutura?
De todas as dúvidas, certezas e últimas consolidações na organização estruturacional, curricular e educacional em nossos Municípios, Estados ou País, só me resta uma coisa... a esperança de que, em algum momento, essa passividade social que está instaurada em todas as áreas possa se tornar manifesta. Sem falsos saudosismos, mesmo porque, não vivi a ditadura militar e nem fui guerrilheira – acho que não me encaixaria nesse perfil, e quando nasci ela já tinha acabado, mas, que as pessoas possam falar dos problemas que são fato, sem terem que ser noticiadas, notificadas ou ameaçadas com falas, falácias e processos, que possam perceber que não temos armas, nem soldados nos cercando e nos vigiando, mas, que vivemos a ditadura psicológica e epistemológica, e é preciso um basta nisso! E, enfim, acreditar, ter a esperança que algum dia, em algum momento da história do Brasil, as pessoas possam entender que escola não é empresa, mas, sim um espaço de construção social e, que a educação é sim... definitivamente, o meio para possibilitar transformações sociais.
Sou professora sim, por paixão, por escolha e por teimosia! Sou professora da rede pública e, não quero esmolas. Quero condições dignas de trabalho, quero formação continuada e valorização do meu trabalho. Quero acima de tudo RESPEITO, respeito a minha intelectualidade, respeito a minha formação, respeito àqueles que me ensinaram que Educação não se vende, e muito menos minha dignidade tem um preço. Respeito à minha liberdade de expressão e comunicação.








BRANDAO, C. R. . Paulo Freire, educar para transformar: fotobiografia. São Paulo: Mercado Cultural, 2005. 140 p.
BRANDAO, C. R. . A Educação como Cultura. 3. ed. Campinas: Mercado das Letras, 2002. v. 1.
MACHADO, M. M. ; GARCIA, L. T. . Educação ao longo da vida concebida pela lente de quem a fez no Brasil. Cadernos de Pesquisa em Educação PPGE-UFES, v. 17, p. 1-16, 2011.
TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2002.